EN: Gui Oh – the queer artist is an alter ego that explores the beauty of sexuality, all its boundaries and emotional nuances. The process between the final piece and the will to portray it is divided in a process of reflection, listening to inner or shared emotions, experimenting textures and deepness within color. In search to express such a rawness of feelings, the center image has a real graphic content which is blended in an abstract universe to form the complexity of body and soul of the individual. The idea of the project started by earlier 2014 and took more four years to fully grown as it stands, which gave a period of time to evolve in a mature vision in what I truly wanted to express.
---------------------------------------------------------------------------------------------------------
PT: Gui Oh – um alter ego queer do artista que explora a beleza da sexualidade, a complexidade de suas nuances emocionais e limites. O processo entre a finalização de uma obra e o desejo de conceção da mesma, é divido em um processo de reflexão, absorção das emoções que emanam do interior, comum ou partilhado, experimentação de expressão sob texturas e na profundidade fisiológica da cor. Há uma expressão gráfica do individuo no centro da criação, mas que se distorce e cria diálogo com a transição de linhas, cores, e formas abstratas – uma tentativa de incorporar a complexidade do corpo e espírito. O período de criação surge em 2014 e levou quatro anos para realmente ser produzido, devido ao desenvolvimento de uma visão madura que fosse verdadeiramente real as minhas intenções.
Gui Oh instagram profile: www.instagram.com/gui.oh
Ressentir as vivências históricas
Nascente de um diário de vida, este projeto é um exercício de citação, um apontamento e assentamento do percurso de uma vida, a imagética que acompanha a façanha da expressividade adquirida pela fortuna de lutar contra o entendimento disseminado por uma cultura cis normativa imposta – uma vinculação que a princípio se instala e requer uma ação de constante reorganização e desconstrução de conceitos e convicções – estas que são aprendidas, absorvidas por força ou constante reprodução, é então a excessividade desmoderada que cria um diálogo político com o desejo de quebra, rompimento da vergonha cravada no corpo e curativo sobre feridas motivada por injúria física e/ou psicológica.
Ressentir aqui é gesto expressivo que tenciona desoprimir o “eu” – busca aliviar e resgatar o indivíduo que fora trancafiado em códigos de conduta sociais, imobilizado pelo desejo de passar desapercebido por uma única vontade, aquela que é de sobreviver ou de menor agressão à sua natureza.
O corpo político.
O corpo é uma construção arqueológica da memória que se desenvolve a partir do desejo, tal vontade que não é resultante da leitura literal do que é o corpo – há um vazio desde tenra idade pelo conhecimento do que é realmente verdadeiro perante a existência deste corpo que vibra de forma invulgar aos demais, aos rótulos queimados à pele e as distintas designações impostas ao vil sujeito. O distanciamento da realidade é um ato de bravura e de pura sobrevivência, se quer dissimular os impulsos de sua própria natureza e mascarar instintos tão concretos em prol das existências em meios opressivos e dominantes de nossas próprias afetividades. A conquista deste corpo é um processo que se difere de indivíduo para indivíduo e se tenta entender a relação que resulta desta intimidade do indivíduo com a sua tangibilidade. É este corpo que se tenta entender, perceber os abusos e excessos que são reproduzidos sobre pele e mente, que são ações e práticas herdadas de abusos ressentidos e reproduzidos, a posse é de enclausura e anarquia até a sua súbita tomada ou discórdia que peleia em vigoroso conflito por uma vida.
O conflito é criado na mostra e na relação entre iguais, é explícita e violenta o código de normatividade do Homem, é belo expor o medo através agora de um corpo seguro de sua existência.
O ser homem
Grande parte deste trabalho foi desenvolvido a partir de cartas, pequenos textos ou conversas com os modelos, amigos ou pesquisadores da mesma temática sobre o processo de amadurecimento, aceitação e identificação do seu próprio género – género Masculino, H de Homem, MAIÚSCULO! – e esta sempre foi uma das questões mais problemáticas durante o meu próprio amadurecimento, distanciava de uma expectação em alcançar a imagem e o ser do Homem, cogitava e sonhava entretanto em um dia esta probabilidade ser real e pelo menos uma parte de mim ser aceita de verdade. A partir deste momento, todas as minhas decisões são tomadas em volta desta questão, não há resoluções que sejam constantes e definitivas enquanto não há um corte deste cordão umbilical que é ser o Homem. – Entre cartas e conversas trocadas, aflições se cruzavam e o anseio no encontro e desencontro de tentar se entender como homem. Afinal qual seria o parâmetro de comparação para identificação e validação da masculinidade? O quão forte fisicamente? O quão bruto? Barba e pelo, sempre. Roupa, o que vier e não há de se inventar muito. Podar, cortar as asas, maneirismos robóticos e quanto menos cor, melhor.
Na sucessão de conhecimento, então reconhecimento e tentativa de converter, constata que o a opressão e imposição deste gênero Masculino ainda se esconde dentro da própria comunidade LGBTQ+ e que exclui e menospreza o homem que não se assemelha à estética cis, seja ela diretamente ligada aos aspetos físicos, trejeitos/maneirismos ou à posição/papel sexual desempenhado.
Este questionamento não traz em si uma resposta direta sobre o tópico que se aborda, na verdade, é uma matéria fugaz que é arrastada por um sopro e são pequenos fragmentos devolvidos pelo mar, então se constrói outra torre fálica, que é diferente da anterior mas dá a entender uma nova maneira de ser construída, porém, sempre frágil.
A sexualidade
O maior conflito e provavelmente a primeira grande incógnita que se instala e consome o recetáculo. Documentos históricos, atos movidos por crenças religiosas, desinformação cultural reproduzida a partir da ignorância e tudo vai dar ao íntimo e que só pertence ao indivíduo. Nas últimas décadas, não sendo o melhor cenário, muito foi discutido acerca do “monstro” e ainda se vive dentro de um regime que aos poucos é desconstruído, porém, ainda se cruza fronteiras e anseia por um vislumbre de algo mais palpável como o entendimento por completo e respeito.
Ainda reflito sobre o que vejo quando olho para a obra, ainda tenho sintomas de rejeição, de vergonha, um estranho embaraçamento na partilha deste mundo com aqueles que pouco conhecem sobre ele – a rejeição. É também desta forma que opto por muito, registar o ato sexual – desde a década de 80, foi o sexo sujo e imoral, praga gay que sentenciava uma comunidade inteira e desde então os reflexos foram severos, a sexualidade aqui é explorada não só com a força visceral que é, mas como a validação de existência, validação de afeto que se é órfão, não há, por muitas vezes, prazer em o praticar, há apenas uma busca incessante em tentar se achar e ser reconhecido de alguma forma pelo outro, há confusão. É preciso convidar para que se possa olhar o desejo, para além daquilo que é registado, distinguir o desamparo e desabrigo que vivem na lubricidade da luxúria do sexo – não é só, é constituído por muitos fatores diversos e sentimentos abstratos, faz-se necessário a documentação para que se possa então questionar sobre este encadeamento.
Estética queer.
O estranho é estranho por ser a força corrente ao que é tido como normativamente normal e assim tem se expressado. É excessivo e flamboyant, o querer não está ligado diretamente com o interesse de direcionar a atenção à superfície, se permite ser uma prática de interrogação constante sobre os códigos e regulamentos que se vive, flagging declarado para se viver em convicções arcaicas e datadas e creio que o exercício de quebra da formalidade de bem e politicamente correta faz entender o estranho com fobia e aversão e não com o apetecer de instigar, investigar, questionar.
Os rapazes de Tom, Lili Elbe e Gerda Wegener, ‘Man in Shower in Beverly Hills’ de David Hockney, entre tantos outros artistas e não artistas, celebram muito mais para além daquilo que entendem como ‘estética queer’, pedem e fazem convite para que possam conhecer as razões e pedaços de suas vivências, estas que tomam o corpo como exteriorização de oposição, o exercício de repetição e de chamar diretamente a atenção, por causar estranheza e por demandar cuidado perante aquilo que se vê, adverte e intriga o olhar daquele que nesta atmosfera não ocupa espaço – da utilização também do kitsch para penetrar a opinião pública de uma massa, em forma de promover, educar ou questionar.
Considerações, mostras e espaço expositivo.
O trabalho ganha um primeiro ritmo cardíaco no verão de 2018, é experimentado através de medias digitais e redes sociais, como processo de experimentação, um exercício de identificação e procura de uma rede/comunidade. É desta procura então, que uma pulsação frequente se instaura e propõe à semelhantes partilharem conversas e vivências. A escolha de partir inicialmente de um mundo digital é diretamente ligada a pratica de se esconder – indiretamente reproduzindo um aspeto daquele que cobre, tapa, reserva e acoberta questões e factos sobre sua identidade, sobre parte de si, optando por canais de comunicações que não sejam tão diretos ou eminentemente expositivos ao seu ID, uma espécie de código, um flagging que auxilia e leva a conhecer. O personagem “Gui Oh” ganha cariz e parcialmente se distancia do criador – toma posse e assume identidade da sua própria obra, estabelece comunicação e arca pela responsabilização das questões que virá tratar perante a seus iguais.
O rumo e deslocamento do projeto aconteceu de forma orgânica e estas conexões criadas durante o percurso, levou ele aos poucos a lugares e espaços, este corpo de trabalho ainda em montagem e em estado embrionário é exposto, fragmentos tomaram lugar na cidade do Porto no dia 17 novembro de 2018 no Festival Compromisso – muito cru e com carecer de mais ‘corpo’, continua a sua jornada. Em 2019, uma parte deste trabalho foi exibido em Cantiere San Bernado em Pisa - Itália, esta capela que hoje é espaço de mostra artística recebeu o evento ‘Queer Art from the World’ onde artistas veteranos e emergentes pudessem interagir, o convite surge por parte de Roberto Funai, um dos participantes na organização do evento. Também é o ano onde o parte deste trabalho é publicado na revista BONER (Alemanha) e BONER WORLD (distribuída em espaço Europeu e Norte América) a convite do editor Gregory Teodori. Entre este processo peças avulsas eram produzidas e mais material eram partilhados para diversos cantos do mundo. Em 2020 algumas peças selecionadas foram comercializadas pela loja ‘Queertique’ em La Plaza / California (USA) e em 2021 tendo uma peça exclusiva produzida para a DandyQueer (USA) a convite do editor Patrick McNaughton. É em junho deste mesmo ano, também mês do orgulho em que um primeiro corpo é dado ao projeto – ressentido (resentful) é publicado em uma primeira versão independente, cinco cópias são editadas em material especificamente escolhido, a sua primeira mostra toma espaço na exposição ‘Uma Mão Cheia de Nada’, exposição de finalistas do curso de Multimedia na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto com o acompanhamento do Professor Miguel Leal e agora se encontra em estágio de procura de uma editora para ser não só distribuída de maneira mais eficaz, mas para que também não seja apagada como muitas das vidas de uma comunidade que foi e é ainda, tão negligenciada. Uma das cópias vai estar no Rio de Janeiro para o acervo Bajubá que é um projeto de constituição de um acervo voltado para preservação, salvaguarda e instigação historiográfica da arte, memória e cultura LGBT brasileiras, outras duas vão a caminho dos Estados Unidos e uma para Berlim.
Este é um projeto, um corpo, que aos poucos conquistou batimentos, pulsações, direitos de existir e permanecer, que ao longo da sua criação foi exposto, questionado, mas que sobrevive e toma sustento de sua própria existência, assim como suas intenções iniciais, esta obra tem o direito sobre a sua própria existência.